Memórias de um Brasil que Tocava em Vinil: Por Dentro da Discos Copacabana
- Maria Rita
- 5 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.
As recordações da Discos Copacabana resistem em histórias pessoais, álbuns marcantes e lembranças que ainda ecoam mais de duas décadas após o fim das atividades.
Por Maria Rita

A gravadora Discos Copacabana foi, durante décadas, uma das principais responsáveis pela difusão da música popular no Brasil, lançou diferentes artistas, moldou sucessos e estruturou um modelo industrial raro no setor fonográfico nacional. Fundada em 1948, encerrou silenciosamente suas atividades em 1998, mas seu legado permanece vivo no imaginário de quem passou por seus estúdios e bastidores.
A trajetória da empresa teve início no subúrbio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e acompanhou as transformações da indústria musical brasileira ao longo do século XX. Após os primeiros anos na capital fluminense, a Copacabana transferiu suas operações para Jacarepaguá e, em 1967, para São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Sob a direção dos irmãos Vitale, passou a controlar todas as etapas do processo fonográfico, o que incluía desde o derretimento do plástico até a prensagem dos discos, gravação das faixas e concepção visual dos álbuns.
A unidade em São Bernardo reunia setores administrativos, prensas industriais, estúdios de gravação com tecnologia de ponta e áreas dedicadas à fotografia e ao design gráfico. Em seu auge, a gravadora empregou cerca de 1.500 pessoas e manteve filiais pelo Brasil, além de escritórios no exterior. Sua identidade visual também evoluiu com o tempo: a logomarca original, uma concha, deu lugar a um sol e, mais tarde, à icônica borboleta azul, adotada em seus últimos anos de atividade.

Assim, se faz impossível contar a história da Copacabana sem as pessoas que construíram sua imagem. Um desses personagens é Juracy Lucena, que por anos atuou como divulgador da gravadora. Hoje com 87 anos e enfrentando um quadro de demência provocado por isquemias cerebrais, Juracy ainda menciona a gravadora diariamente.

Em um bate papo exclusivo, seu neto Guilherme Lucena compartilhou recordações sobre o trabalho do avô. “Lembro que ele contava que, como divulgador, tinha a função de ir até o rádio ‘entregar as músicas para serem tocadas’. E que, para ganhar a simpatia dos radialistas, passava na padaria e comprava pães na chapa para levar à emissora”, contou. Juracy ainda guarda uma caixa com fotos e recortes de jornais da época, um acervo afetivo que preserva sua relação com a gravadora.

Entre os muitos artistas que passaram pela Discos Copacabana, o cantor Ovelha é uma das vozes marcantes do seu catálogo. Foi na gravadora que ele lançou seu primeiro álbum, Coisas do Coração, em 1990, obra que consolidou seu espaço no cenário romântico da música brasileira. Em entrevista concedida especialmente para esta reportagem, Ovelha relembrou a convivência nos bastidores da gravadora e a parceria inesperada com Raul Seixas durante a gravação do disco. “Ele chegou e disse: ‘Por que Ovelha não grava Coisas do Coração?’ Gravamos, e virou o nome do disco”, contou.


O episódio revela a espontaneidade da cena musical daquele período. Enquanto Raul gravava Cowboy Fora da Lei, os dois dividiram conversas nos estúdios e uma breve ida à padaria próxima. “Percebi que ele tinha problemas nos dentes. Me contou que era piorréia, resultado de um organismo debilitado. Ele não usava drogas, mas bebia muito. Parecia que nos conhecíamos há 300 anos”, relatou o cantor. A conexão entre eles evidencia a dimensão afetiva que permeava os encontros artísticos da Copacabana.
Ovelha também destacou a atmosfera acolhedora da gravadora, marcada por relações espontâneas entre produtores, técnicos e intérpretes. “Havia uma amizade naturalizada ali. Os produtores me chamavam para conhecer os artistas, para que eu me integrasse naquele ambiente. Eu não sabia que era tão querido”, disse. A experiência contribuiu para moldar sua identidade artística e deixou marcas profundas em sua trajetória. “O Ovelha é um cara muito verdadeiro naquilo que faz”, concluiu, refletindo sobre o que representou aquela fase de sua vida.
O fim das atividades da Discos Copacabana, em 1998, ocorreu de maneira gradual, em meio a um cenário de transformações profundas na indústria fonográfica. A chegada das tecnologias digitais, a mudança nos hábitos de consumo e a consolidação do mercado por grandes gravadoras internacionais comprometeram a sustentabilidade do modelo industrial adotado pela empresa. Seu catálogo foi posteriormente absorvido por selos como EMI, Warner e Sony. O prédio em São Bernardo do Campo foi vendido e a equipe de funcionários desligada.
Até hoje, as razões para o encerramento geram interpretações divergentes: há quem aponte dificuldades financeiras, enquanto outros enxergam o fim como um fechamento simbólico de ciclo. Ainda assim, a Copacabana permanece como referência histórica da música popular brasileira. Seu acervo, sua estrutura industrial e as memórias vividas por artistas e trabalhadores ajudam a compreender um período decisivo do setor musical no país. Mais do que um catálogo de sucessos, a gravadora deixou um legado feito de encontros, sons e histórias que continuam a reverberar no tempo.
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